A 2ª Câmara do TRT-15 acolheu parcialmente o recurso da reclamante, que perdeu o braço direito num acidente de trabalho na empresa em que trabalhava, e elevou o valor das indenizações por danos morais e estéticos devidas à vítima e seu marido, que também compôs o polo ativo, para R$ 100 mil cada uma, e danos morais reflexos (a ricochete, a serem pagos ao marido da vítima) para R$ 50 mil, e manteve o valor de R$ 220.620, a título de danos materiais, arbitrado em primeira instância pelo Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto.
A origem ainda havia condenado a reclamada ao pagamento das despesas com órteses e próteses, arbitradas em R$ 1.834.000. Esse valor, que originalmente deveria ser pago de uma só vez, foi mantido pelo colegiado. Porém, deverá ser pago em montante a ser apurado em liquidação por artigos, que não deverá dispensar a perícia médica completa, inclusive com orçamentos do equipamento necessário para a reparação da deficiência física da autora.
A reforma da sentença, pela 2ªCâmara, levou em conta que o valor das indenizações fixadas atingiu mais de R$ 2 milhões, ao passo que o capital social da empresa é de R$150 mil. Para o relator do acórdão, o desembargador José Otávio de Souza Ferreira, existe “a probabilidade de a autora não receber o que lhe é devido”, motivo por que o Juízo de origem determinou “o imediato bloqueio, sem impedimento para licenciamento e circulação, de veículos em nome da empresa, bem como o arresto dos imóveis“.
A empresa se defendeu, alegando que o pagamento em parcela única da pensão mensal vitalícia arbitrada “levará à falência imediata da empresa, com a demissão de 30 empregados diretos e outros tantos indiretos”. O colegiado concordou com a reclamada, e afirmou que “o deferimento de pagamento da forma vitalícia, com base em orçamentos, de uma única vez, esbarra na lógica, já que a necessidade é criada conforme o tempo e o desenvolvimento de novas tecnologias e custos a serem comprovados, não podendo o julgador prever que as trocas ocorrerão a cada cinco anos”.
Os danos morais reflexos, pedidos pelo marido da vítima, foram rebatidos pelo recurso da empregadora, uma fabricante de produtos de limpeza, que alegou que “a Justiça do Trabalho não é competente para analisar o pleito de indenização por dano moral reflexo, formulado pelo marido da autora”. Segundo afirmou, “não é o caso de danos morais fruto de herança ou sucessão, pois o acidente não acarretou o óbito da trabalhadora, mas sim de dano moral puro, de natureza civil”.
O relator do acórdão lembrou que, com a Emenda Constitucional 45/2004, que instituiu a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar “as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”, houve uma desvinculação das figuras do trabalhador e do empregador e, no que interessa ao caso, “a competência deixou de ser fixada em razão das pessoas, passando a ser fator determinante a existência de uma relação de trabalho como causa de pedir”.
O colegiado ressaltou ainda que “a amplitude do preceito deixa de emprestar relevo aos titulares da relação de emprego” e, por isso, “não modifica a competência o fato de o debate nestes autos versar sobre a incompetência da Justiça do Trabalho nos casos de indenização por dano moral decorrente de acidente do trabalho, sem óbito, quando a ação é ajuizada pelo esposo da vítima em nome próprio”.
Quanto à ilegitimidade do marido da reclamante, a Câmara rebateu, salientando que “o ato danoso pode ultrapassar a pessoa da vítima e gerar uma multiplicidade de consequências que se irradiam, violando o patrimônio moral de terceiros, notadamente daqueles que compõem o círculo familiar mais íntimo da vítima direta”, chamado “dano moral reflexo ou dano moral em ricochete”.
Consta dos autos que a reclamante, uma senhora de 54 anos, sofreu acidente de trabalho no dia 11 de abril de 2011, quando laborava em uma máquina injetora, e sofreu esmagamento do seu braço direito, com amputação cirúrgica subsequente. Para o colegiado, “o nexo causal não impõe maiores investigações, uma vez que é incontroverso que o acidente ocorreu no exercício do mister”.
A empresa sustentou que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima, que já operava o equipamento há mais de dez anos, e, “inadvertidamente, além de passar seu braço por toda a extensão da máquina, deve ter acionado a alavanca de segurança com a mão esquerda”. O laudo pericial, elaborado por engenheiro de segurança de confiança do Juízo, concluiu que “a reclamada não observou todas as normas de segurança estabelecidas pela NR-12 do Ministério do Trabalho, não dotando o equipamento de componentes de segurança adicionais, como: travas mecânicas nas proteções de todos os lados da máquina em que o ciclo possa ser iniciado (item 1.2.6.2, anexo IX, NR-12); dispositivo para detectar a presença de uma pessoa entre a proteção móvel da área do molde – porta – e a própria área de molde; dispositivo para detectar a presença de uma pessoa dentro da área do molde e botões de emergência em posição acessível entre a porta e a área do molde (item 1.2.6.3, do Anexo IX da NR-15).
Em depoimento, a autora informou que no momento do acidente não havia técnicos de segurança ou encarregado no local e a orientação era para que retirasse manualmente as rebarbas das máquinas, o que era comum acontecer. A testemunha convidada pela empresa confirmou que “a rebarba era retirada com as mãos”. Afirmou ainda que “a irmã da autora, que era encarregada, foi a responsável por seu treinamento, que durou cerca de meia hora”, e que “na empresa havia um técnico de segurança que orientava sobre o uso de EPI’s, mas lá não permanecia diariamente e o único curso pelo qual passaram foi o de brigada de incêndio”.
Para o colegiado, todos esses fatos demonstram “a negligência da ré com a segurança do equipamento e o treinamento adequado de seus funcionários” e “por óbvio, o acidente não poderia ser evitado com os equipamentos de proteção individual fornecidos pela ré, como protetores auditivos, gorros, máscaras e uniformes”. Por isso, concluiu que “é forçoso reconhecer que a ré concorreu com culpa para o sinistro, ensejando, por via de consequência, reparação moral e material pelo ocorrido, uma vez que a amputação traumática de terço distal do braço direito acarretou a perda parcial permanente de 70%”.
O colegiado ressaltou o fato de que, com essa lesão, “a autora passou a se enquadrar no conceito legal de deficiente físico o que, por si só, já demonstra a existência do dano moral, pois a mutilação acarreta, sem dúvida nenhuma, sofrimento físico e emocional para qualquer ser humano”. “Evidente”, ainda, conforme afirmou o acórdão, “a existência de danos morais, pois a perda total da mobilidade de um dos membros superiores, sem dúvida, restringe sua colocação no mercado de trabalho, pois desqualifica a trabalhadora para inúmeras atividades”. E, ainda, “evidente e até mesmo presumível o sofrimento do cônjuge com a situação de invalidez parcial de sua companheira”.
(0001901-66.2011.5.15.0004)
Ademar Lopes Junior